sexta-feira, 27 de junho de 2014

Que tal meu cabelo?

Na idade em que estou já aprendi que nem sempre os olhares sobre uma mesma coisa vêm a mesma coisa. 
Exemplo? 

Gosto dos meus cabelos em desalinho. Cacheados, pentear é desfazer os cachos. Detalhe, assanhados valorizam os cachos; quanto mais assanhados tanto mais bonitos. Bizarrices de Fátima... 

Bom, outro dia fui buscar meu filho no inglês e estava do jeito que me gosto. Sem que nem pra quê, virei pra ele e perguntei, que tal meu cabelo? Ele, que puxou ao pai na extrema sinceridade, mãe, seu cabelo tá parecendo o de Sylvester Stalone nas últimas cenas do Rambo depois que ele já lutou com todos os inimigos, e atravessou todos os rios, florestas, montanhas, pântanos e zonas minadas. O impacto foi tal que só, ... ôôô, meu filho! Claro que comecei a me olhar no espelho retrovisor já contaminada com o que tinha ouvido. Depois de umas quatro olhadelas, o ‘assanhado’ – que era só um detalhe pra valorizar os cachos – virou o protagonista da cena. Meio reflexiva, pensei em voz alta, é... é... o cabelo está um pouco assanhado demais... Estava crente que o poço de sinceridade, sentado no banco de trás, estava distraído e nem tinha escutado. Engano e ilusão. Mal fechei a boca depois da rendição e ele deu o xeque-mate com esta pérola, a verdade demora um tempinho pra fazer efeito...Caímos na gargalhada.

(esse texto foi revisado pr'este blog, mas é antigo. os filhos ainda eram pequenos. Continuam sinceros  - o pai, o filho e a filha - e ainda rimos dessas entradas tão francas)

terça-feira, 24 de junho de 2014

Revelações de um cabelo nu


Adoro cabelo grande. Meu cabelo cobrindo minhas costas como um terno abraço é uma companhia. Também gosto de cabelo com volume, meio despenteado. Pintava de vermelho. Um dia, uma decisão: vou deixar meu cabelo nu. E deixei. 

Ah, ouvi cada coisa enquanto o branco foi aparecendo e percorrendo aos poucos o caminho da raiz até as pontas. Considerei escrever um livro com o que ouvi. E era sugestão pra cortar bem curtinho, um corte transado, prender assim ou assado, fazer umas mechas coloridas, usar um shampoo azul pra cabelos brancos. Isso quem me sugeriu tinha o cabelo completamente azul e discordava quando eu dizia que o shampoo azularia minhas madeixas, não azula, não, nem-se-pre-o-cu-pe!, já uso faz teeempo e meu cabelo nunca azulou. A criatura dizia isso e apontava triunfante pra a própria cabeleira anil anil. 

Afinal, todo grisalho. Cinco anos se passaram até a completa nudez. Vou pular a parte de gente me sugerindo o que fazer, gente perguntando por quê, gente elogiando e gente em campanha pra eu voltar a tingir. 

Vou direto pra um episódio específico que é um pouco de cada coisa e mais um tantinho. Meu pai adoeceu seriamente e precisou ser internado. Um cardiologista foi vê-lo na emergencia do hospital. Depois da alta, fomos à sua clínica. A consulta de meu pai durou dez minutos. Os outros trinta minutos dentro da sala foram gastos no diagnóstico enfático de que eu estava deprimida e precisava de anti-depressivos. Uma mulher com o rosto tão jovem e esse o cabelo branco? Depressão. De cara achei que ele estava brincando. Contra-argumentei, mostrei unhas pintadas cada uma de uma cor. E ele, firme na indicação. Eu disse que estava escrevendo num livro as impressões sobre o cabelo, e colocaria a opinião do doutor entre as pessoas que votavam contra a grisalhez. Mas o cara estava sério, convencido do que dizia e realmente 'querendo ajudar'. Apelou para o suposto desinteresse sexual masculino. E seu marido? Caí na besteira de dizer que meu marido curtia. Tem um mentiroso em casa! Bom, era melhor sair logo antes de ter de pagar por duas consultas... Mas, naquela consulta, descobri com mais clareza uma coisa.

Gente, descobri o poder de um cabelo nu: ele desnuda o que vai na cabeça das pessoas. Por dentro!



segunda-feira, 23 de junho de 2014

JUNTOS

Há muito tempo atrás, juntos nos sentamos numa sala de aula e 
Você era um gesto que afastava a cortina de cabelo dos olhos
E eu era um vestido cor de rosa que revelava mamilos cor de rosa.
Juntos fomos ao cinema e choramos
E você, hesitante, já no final do filme, segurou minha mão.
Juntos fugimos para praias distantes
E andamos clandestinos pela areia.
Num dia de São João, na roça, banhados de chuva, dissemos ‘Sim’ um ao outro.
Juntos compartilhamos olhares, beijos, abraços, segredos,
Pedaços de silêncio, histórias inteiras,
Pedaços de história, silêncios inteiros e saquinhos de pipoca.
Juntos engravidamos, parimos e amamentamos nossos filhos
(Você esteve sempre tão perto que nunca me senti só)
E, quando eles adoeceram, juntos velamos noite adentro o soninho inquieto deles.
E, quando sararam, juntos respiramos cansados e aliviados.
Juntos já tivemos ataques de riso descontrolado e incontrolável.
Juntos já escalamos, num dia geladíssimo, uma montanha alta e enlameada.
Juntos já sonhamos tantas coisas, já planejamos e realizamos muito.
Já inventamos coreografias malucas e nos divertimos com a nossa dança.
Já fomos atrás do trio elétrico.
Juntos descobrimos o corpo, o gosto e os pequenos detalhes um do outro
(E há tanto mistério ainda!)
Juntos percebemos como são grandes nossas diferenças.
Descobrimos que cada um tem seus segredos e seu caminho único, e respeitamos isso.
Juntos construímos uma família gostosa de conviver e pertencer.
Juntos já adotamos jabutis, periquitos, cachorro e gatos.
Vivemos a inusitada situação de ajudar o veterinário a vermifugar nossos cinco jabutis,
Lembra?
Juntos caminhamos pelo parque e sempre atravessamos a rua de mãos dadas.
Juntos já fizemos fotos eróticas num quarto de hotel em Paris e planejamos
gastar os últimos créditos do cartão telefônico internacional passando trote para
alguém em Portugal ou na Suíça e rimos da nossa própria maluquice.
Juntos já saímos à noite para procurar uma sopa quentinha em Barcelona
Comemos gulosamente croissants nas panaderias de Madri
E você não saiu correndo, como teve vontade, quando entrei de roupa e tudo
Numa praia fluvial, cheia de gente, na Galícia.
Juntos já nos dissemos e nos fizemos coisas muito dolorosas
E aprendemos a cuidar e proteger a sensibilidade e a fragilidade um do outro.
Aprendemos também que o amor não é cego, é generoso
E o ‘para sempre’ não é tempo bastante para o nosso desejo de estarmos
JUNTOS!

(Era São João, e a festa foi na roça de meus avós - 'Seu' Antero e D. Maria. 30 anos hoje. Compartilho poeminha escrito em 2005. Casamento é uma maluquice e só tem sentido por causa do Amor) 

domingo, 22 de junho de 2014

Atenção: não recomendado para mulheres com menos de 45 anos nem para homens em geral - cenas fortes


Envelhecer tem me pedido despedidas. E lá vou eu de funeral em funeral de antigos eus, rosto, músculos, pele, mucosas, elasticidades, cabelos, unhas, projetos, habilidades, preferências. Meus próprios funerais, aqueles solitários que só a gente sabe e só a gente comparece. 

Não vou defender que envelhecer é lindo, nem que é a 'melhor idade' (essa expressão é o botox da palavra velhice). Também não vou desfiar um rosário de queixas e destilar amarguras. Vou dizer é que tomei umas decisões. Deixar que descanse em paz quem já não mais posso ser, e/ou aparentar, e receber de braços abertos - com um pouquinho de medo, alguma negociação e um montão de humor - aquela que vai aconTecendo em mim. 

É, gente, a velha se tece e me tece. E lhe dou corda. Altos papos. Ela me diz coisas óbvias nunca antes vistas, chapeuzinho vermelho foi devorada porque não conhecia o lobo? nã-nã-nim-nã-não, a chapéu não conhecia era a vovozinha, isso sim. 

E a velha me afastou do vermelho-menstruação e trouxe a menopausa. E não me deixou à mercê da 'medica-má'. A ginecologista que, diante da minha decisão de não usar hormônios, soltou o verbo sobre o que aconteceria com minha 'parte íntima': se não usar hormônio sua libido vai baixar, e 'ela' vai descorar murchar e secar. TÓIM! Nocaute. Saí do consultório nocauteada. Pensava que as mudanças eram só de humor, alguma deprê, talvez. Mas, era além. Já no carro, a meio caminho de casa, a velha ergueu seu dedo indicador e bradou, Pornografia! não seremos clientes de farmácia ou laboratório, mas de sexshop: vamos à pornografia! TÓIM-ÓIM-ÓIM! Hmmm, melhor escutar as duas e negociar com as duas. Visitei algumas sexshop's e resolvi usar um pouquinho de hormônio, pois a profecia da médica causou. 

A velha também me alerta pra duas coisas, 'vão-se os anéis e ficam os dedos' é fala de quem tá vivo, porque - tirando as múmias - o que fica mesmo são os anéis; e, outra coisa, já que 'a morte faz parte da vida', aproveite sua vida enquanto é a morte dos outros que faz parte dela. Nada de perder tempo com lamúrias. E me dá aula de gargalhada. Gargalhada de bruxa. E me pego chorando e sorrindo nos funerais. Nos meus (im)próprios e nos dos outros. 

Tenho pra mim que essa velha nascendo desse jeito é parente de minha finada vó Maria, a risada é a mesma... a low-cura também. E lá vamos nós e não vamos sós! 

sábado, 21 de junho de 2014

Num3r05 e Palavras

Palavras são diferentes de num3r05. Com as primeiras a ordem dos fatores muda completamente o resultado. Quer ver só?
"Rapadura é doce. Mas não é mole, não!"
"Rapadura não é mole, não! Mas é doce." 

sexta-feira, 20 de junho de 2014


Kenzo (foto de Lila Ferradans)

ferida e praga

Cambaleante e deixando um rastro de sangue ele entrou na cozinha. Caiu aos meus pés. Era a TERCEIRA vez que acontecia. Com ele desmaiado nos meus braços saí, olhei pra cima, espalmei as mãos na direção do céu e praguejei: se foi arte de gente, eu desejo que quem fez isso seja atingido da mesma forma que atingiu, que tenha o corpo lesado. E tem mais: quero saber quem foi. Quero ver a pessoa passar na minha frente ferida e sofrendo! Acabei de falar, cuspi na terra e entrei no carro. Veterinário, aí vamos nós.  

No caminho, São Francisco e Nossa Senhora passem à frente e limpem este engarrafamento. Eficientes, como sempre que preciso muito, eles abriram caminho. 

Na clínica, Kenzo de novo?!! D. Fátima, a senhora não acha melhor tirar logo o rabo deste gato...?, Doutor, o senhor não repita isso! O médico se retirou pra salvar o gato e o rabo.

Esperei o fim da cirurgia me perguntando como aquilo tinha acontecido. O rabo cortado ao meio, ao longo do comprimento. Até parecia um gato com dois rabos. Só uma vizinha tinha implicado com os gatos. Será que...?

Costurei o melhor possível, mas se necrosar... a senhora traga que não lhe cobro a amputação. Esse médico quer entrar na fila dos praguejados?!, só pensei, não disse. Puta da vida, fui ver meu querido que ferido ficou ainda mais querido. 


Curativos e curativos depois, o rabo já começava a nascer pêlo. Um dia, saindo pra comprar ração, dei de cara com a vizinha descendo do carro, toda encurvada, com um soro no braço, andando mal e tropegamente. Con-ge-lei. Ela não me viu atrás do vidro fechado do carro. Muda, só consegui murmurar, foi ela e a praga pegou! Oscilei entre arrependida e vingada. 

Depois de Kenzo correndo como louco pela casa e rodando o rabo feito um chicote, me arrependi muito de ter praguejado. Coitada da vizinha. Coitada...

Outro dia, encontrei de novo com ela, já recuperada e bem disposta, como Kenzo. Mais perto do arrependimento, falei, oi vizinha, vi que você andou doente... E ela, não, fiz uma lipo.
                                             
                                                     hÃ?!


quinta-feira, 19 de junho de 2014

Tem coisas que a gente só consegue dizer com a absoluta garantia de que ninguém vai ouvir...

quarta-feira, 18 de junho de 2014

a-e é?


A todo custo há que se fazer subir a tal da auto-estima. Como assim, querida, você não tem auto-estima?! Então você precisa Urgente de: lingerie nova, book de fotos eróticas, celular último modelo, uma ida ao salão de beleza, às lojas de roupa, sapato, ao spa,  ao cirurgião plástico pra sair de lá com cara n0va, peito novo, bunda nova, barriga chapada e as partes íntimas re-paginadas e re-virgiNADAs. Isso, só pra começar.  

E é tanta coisa. Em nome da conquista da auto-estima a gente vai se expondo a situações bizarras. A gente não deve, e nem quer!, se parecer com a gente, seja lá o que isso seja. É preciso fazer desaparecer qualquer vestígio do que nos caracteriza e não conste na tabela da moda da beleza atual - sim, porque a tabela muda... 


Não sei você, mas já vi gente 'da auto-estima lá em cima' se achando o caminho a verdade e a vida e humilhando os outros, e exigindo indevidos direitos, perdendo a noção de respeito a si mesmo e ao outro. 

Respeito? Hmmmm.... talvez este seja o tempero que está faltando nesse prato. Um interessante contra-ponto à febre do 'tem que elevar a auto-estima'. Ai, gente, dá licença! Mais respeito ao nosso fracasso, à nossa feiura, infelicidade, ao não estarmos na moda. Respeito, inclusive, à nossa baixa auto-estima. Respeito.


terça-feira, 17 de junho de 2014

já aconteceu com você?


Hoje tem jogo de copa do mundo. Daqui a pouco, o Brasil vai jogar com e contra o México.  Toda vez que o Brasil joga me lembro de minha avó. Não, ela não gostava de futebol e nem tinha paciência pra ver jogo na tv. E o que me lembro é algo completamente irracional e subjetivo, que achei um absurdo quando ouvi ela dizer. Mas............descobri que também sou absurda (que novidade, tsc,tsc,tsc). Deix'eu contar.

Quando era adolescente, morei um tempo na casa de meus avós. Com eles também moravam meus dois tios cegos. Um deles, todo final de semana levava amigos e namorada para almoçar por lá. Minha avó não gostava, mas nada dizia na frente do filho. O caçula! Um domingo, depois do jogo de futebol com sua turma  - sim, cegos jogam futebol com uma bola cheia de guizos e já fui goleira nesses jogos - meu tio convidou os amigos pro almoço. O pirão de D. Maria! Mas, não é trabalho pra a senhora?, perguntavam os amigos. Que nada meu filho, ela respondia. E o almoço era aquela comilança, pois domingo era sempre dia de visita pra almoçar e mesa farta. Acabado o almoço, a namorada de meu tio ia pra a cozinha lavar aquele monte de louça e panelas. Meu tio impaciente, deixa isso que minha mãe lava. E a namorada ia lavando enquanto o peraí, já vou, tinha algum poder sobre ele. Mas a paciência acabava e quando a briga ia começar ela terminava a lavação. Digo, dava por terminada e saía. Assim que fechavam o portão, minha vó aparecia na cozinha. Furiosa, aquela preguiçosa, largou tudo sujo! Eu, perplexa, mas vó, você não viu que ela tentou lavar e ele não deixou?! Então, D. Maria soltava sua pérola, eu vi, mas vou ter raiva de meu fio? eu tenho raiva é dela!

Pois, é assim com jogo. Não importa como jogue, aliás, quanto pior jogar a seleção, mais quero que ganhe. Vou torcer contra o Meu Brasil?!  

juntAndo


Quero a escrita compartilhada: meu desejo, quando pedi ajuda pra criar este blog. E ele nasceu fruto de gente se juntando pra algo aconTecer. Meu irmão (*) numa cidade longe daqui, meus filhos (**) em paises bem longe daqui, e foram eles os auxiliares de parto para este nascimento!  Minha imensa e eTerna gratidão. 

Você que aqui chega, seja bem vindo! Grata por me ceder um tempo de sua vida nesta leitura. Os escritos aqui são nOssos. 


Já matei muitos textos. Alguns, depois de nascidos, outros, antes de nascer. Os que aqui estão são os que não consegui... Os que você gostar, leve!

(*) www.getro.com.br
(**) Lila Ferradans
(**) www.tferradans.com/blog