A
moringa era de barro, o prato era desmalte, o fogo era de lenha, o tacho era de
cobre, a aliança era de ouro, o riso era de alegria e a gaitada era de música.
A casa deles era assim, a casa da roça. A da cidade guardava uma tristeza e uma
saudade nos rostos dos retratados que nos olhavam de suas molduras na parede da
sala, e no cheiro de naftalina e madeira dentro dos baús onde o tempo amarelava
o branco da roupa de cama bordada à mão. Foram essas as casas deles que
conheci.
Uma
vez disse a meu avô que eu não aguentava mais morar em apartamento, que ia
construir uma casa para me mudar. A primeira e única pergunta dele, e
você já tem o chão, minha fia? Achei bonita essa pergunta (ainda acho)
e não sabia (ainda não sei) o alcance do que ali estava se dizendo. O chão da
casa vem antes da casa. O desejo da casa + o chão da casa: aí nasce a casa. O
desejo é a semente e o chão é a terra onde plantamos a casa, é onde
ela brota para acolher a gente.
Lá
nos antes do tempo da minha vinda,
na infância de minha mãe, a família se mudava de seu chão, de sua casa, a cada
falência financeira. Iam as poucas coisas e os muitos filhos em cima do carro
de boi para longe da roça.
Hoje moro na casa que meu avô
perguntou pelo chão. Nessa casa tem a mata, o quintal e árvores e passarinhos e
frutas nos pés de frutas. Aqui não crio gado, crio gato. Um rebanho, se assim
se pudesse dizer por eles serem seis.
Há alguns anos morreu minha avó, morreu meu avô. Estão embaixo do chão: raízes da casa.
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