Era 31 de Dezembro em meu quarto. Nada de muvuca. Resolvi
ficar só e meditar. Faltava pouco para a mais escura das horas, apanhei a vela.
Pela janela entrava a animação das folhas sacudidas por vento tão forte que
parecia chuva. Não podia imaginar o que viria. De repente... fez-se no quarto um
tão grande e misterioso silêncio que me curvei instintivamente numa reverência.
Um estalido no chão de madeira quebrou a redoma do silêncio. Olhei. Lá estava
Ela com Seus longos cabelos soltos como um manto sobre o corpo. O Seu rosto
parecia bem jovem, e nos olhos trazia aquele olhar dos que não perdem a
esperança. Nada dizia. Estendeu-me a mão direita, aberta. Sobre a palma, uma
minúscula cesta. Seus lábios não se moveram, mas escutei Sua voz, suave como
mãe que canta para embalar os filhos,
- Rogo-lhe
que cuide deles.
E eu, atordoada, sem saber exatamente o que fazia,
recebi aquela pequenina cesta entre meus dedos. Senti que era tenra e macia
feito a pele dos começos. Intrigada, perguntei,
- Mas, quem é você? O que é isto que me oferece? E
o que me pede...?
- Por ora,
lhe direi que sou a Mãe dos dias. Nessa cestinha, que é uma parte do meu útero,
estão os filhos meus - os dias deste ano que está para chegar...
Interrompi Sua fala com outra pergunta, tentando me
situar diante do misterium tremendum,
- Aqui dentro estão trezentos e sessenta e cinco
dias?!! E são tão pequenos assim?!!
Ela manteve a calma e, sem tirar Seu olhar de
dentro do meu, disse,
- É que ainda
não nasceram... Mas, nascerão. Cada um na sua hora. Cuide deles... Cuide deles
e ensine-os que a Vida é um pedaço de tempo. O tempo de numa gota experimentar o
Oceano.
Eu só
conseguia apertar suavemente a cestinha na mão, concordando comovida com o que
ouvia, e prometi
- Sim, cuidarei.
Ela prosseguiu,
- Agora, me
despeço. E, como despedir-se é fazer o que falta ser feito, peço-lhe só mais
uma coisa...
E me estendeu a mão esquerda que abrigava na sua
palma outra minúscula cesta:
- Primeiro eu
lhe dei os meus filhos. Agora lhe entrego minhas filhas: as noites. Rogo para
que cuide, com todo carinho e zelo, dessa outra parte do meu útero, pois ele
está em trabalho de parto, a hora mais escura se aproxima, a noite que conclui
o último dia do ano se vai e a noite que traz N’Ovo ano no seu amanhecer já
está nascendo...
Em minhas mãos, as duas cestinhas se fundiram numa
só. A imagem Dela e Sua voz foram ficando distantes. Um estalido no chão e
novamente, pela janela, as folhas com o vento. A mais escura das horas chegou
anunciada pelas doze badaladas do relógio. Acendi a vela, reverenciei o mistério
daquele momento e murmurei para pequena noite que acabava de nascer,
- Seja bem vinda, seja bem vinda!...
Reclinei a cabeça no
travesseiro e andando pelas terras de Morfeu sonhei que era 31 de dezembro em
meu quarto...
Muito lindo tia Fátima!!!
ResponderExcluirFeliz Ano Novo!!! Que 2015 venha repleto de boas novas, e que em cada mágico dia esteja guardado a nossa Felicidade!!!
bjs no coração...
Vivi
Muito lindo mesmo! adorei! bjos.
ResponderExcluirSaudade de vc e das suas palavras, Fátima! Tenho refletido tanto sobre o tempo, os momentos...seu texto trouxe uma perspectiva de esperança, paciência e aceitação. abraço apertado. Marcelle.
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