terça-feira, 30 de dezembro de 2014

um escrito antiiigo


Era 31 de Dezembro em meu quarto. Nada de muvuca. Resolvi ficar só e meditar. Faltava pouco para a mais escura das horas, apanhei a vela. Pela janela entrava a animação das folhas sacudidas por vento tão forte que parecia chuva. Não podia imaginar o que viria. De repente... fez-se no quarto um tão grande e misterioso silêncio que me curvei instintivamente numa reverência. Um estalido no chão de madeira quebrou a redoma do silêncio. Olhei. Lá estava Ela com Seus longos cabelos soltos como um manto sobre o corpo. O Seu rosto parecia bem jovem, e nos olhos trazia aquele olhar dos que não perdem a esperança. Nada dizia. Estendeu-me a mão direita, aberta. Sobre a palma, uma minúscula cesta. Seus lábios não se moveram, mas escutei Sua voz, suave como mãe que canta para embalar os filhos,
- Rogo-lhe que cuide deles.
E eu, atordoada, sem saber exatamente o que fazia, recebi aquela pequenina cesta entre meus dedos. Senti que era tenra e macia feito a pele dos começos. Intrigada, perguntei,
- Mas, quem é você? O que é isto que me oferece? E o que me pede...?
- Por ora, lhe direi que sou a Mãe dos dias. Nessa cestinha, que é uma parte do meu útero, estão os filhos meus - os dias deste ano que está para chegar...
Interrompi Sua fala com outra pergunta, tentando me situar diante do misterium tremendum,
- Aqui dentro estão trezentos e sessenta e cinco dias?!! E são tão pequenos assim?!!
Ela manteve a calma e, sem tirar Seu olhar de dentro do meu, disse,
- É que ainda não nasceram... Mas, nascerão. Cada um na sua hora. Cuide deles... Cuide deles e ensine-os que a Vida é um pedaço de tempo. O tempo de numa gota experimentar o Oceano.  
         Eu só conseguia apertar suavemente a cestinha na mão, concordando comovida com o que ouvia, e prometi
- Sim, cuidarei.
Ela prosseguiu,
- Agora, me despeço. E, como despedir-se é fazer o que falta ser feito, peço-lhe só mais uma coisa...
E me estendeu a mão esquerda que abrigava na sua palma outra minúscula cesta:
- Primeiro eu lhe dei os meus filhos. Agora lhe entrego minhas filhas: as noites. Rogo para que cuide, com todo carinho e zelo, dessa outra parte do meu útero, pois ele está em trabalho de parto, a hora mais escura se aproxima, a noite que conclui o último dia do ano se vai e a noite que traz N’Ovo ano no seu amanhecer já está nascendo...
Em minhas mãos, as duas cestinhas se fundiram numa só. A imagem Dela e Sua voz foram ficando distantes. Um estalido no chão e novamente, pela janela, as folhas com o vento. A mais escura das horas chegou anunciada pelas doze badaladas do relógio. Acendi a vela, reverenciei o mistério daquele momento e murmurei para pequena noite que acabava de nascer,  
- Seja bem vinda, seja bem vinda!...
       Reclinei a cabeça no travesseiro e andando pelas terras de Morfeu sonhei que era 31 de dezembro em meu quarto... 

3 comentários:

  1. Muito lindo tia Fátima!!!
    Feliz Ano Novo!!! Que 2015 venha repleto de boas novas, e que em cada mágico dia esteja guardado a nossa Felicidade!!!
    bjs no coração...
    Vivi

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  2. Saudade de vc e das suas palavras, Fátima! Tenho refletido tanto sobre o tempo, os momentos...seu texto trouxe uma perspectiva de esperança, paciência e aceitação. abraço apertado. Marcelle.

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